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  • Foto do escritorAngélica Maria de Souza Silva

A concepção de ser idoso em tempo de pandemia

Na contemporaneidade, com o aumento da expectativa de vida, as discussões sobre o processo de envelhecimento tornaram-se mais frequentes.



De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2020) houve um aumento significativo na população de idosa nos últimos anos, passando de 12,8% em ano de 2012 para 15,7% em 2019 (IBGE, 2020). Essas alterações demográficas promoveram mudanças no contexto social. Por exemplo, na atualidade são mais frequentes programas televisores que buscam a promoção do bem-estar, ambientes voltados para a realização de atividades físicas (ex.: academias, praças) e a utilização de procedimentos estéticos. Entretanto, como os idosos são vistos pela sociedade?


A visão dos idosos nas sociedades

Alguns estudos têm apresentado a velhice sob uma perspectiva predominante de perdas, estando associadas a uma fase de senescência e finitude (Aguiar et al., 2018; Castro, 2016; Souza, Castro, Araújo, & Santos, 2018). Inclusive, o termo idoso surgiu na França, no final do século XIX, com a tentativa de dignificar as pessoas que estavam envelhecendo de classes sociais mais altas (Silva, 2008). Posteriormente, outros termos surgiram com a tentativa de ocultar os estigmas atrelados aos idosos (Santos, Araujo, & Negreiros, 2018), por exemplo: melhor idade (Barbieri, 2012), idade feliz (Santana et al., 2017) e futuridade (Barbieri, 2012).


Na antiguidade, as pessoas que viviam muito tempo eram consideradas agraciadas por conseguirem envelhecer apesar das adversidades existentes na época, por exemplo: guerras e a fome

Vale destacar que as concepções sobre a velhice nem sempre foram vistas de forma predominantemente negativa. Na antiguidade, as pessoas que viviam muito tempo eram consideradas agraciadas por conseguirem envelhecer apesar das adversidades existentes na época, por exemplo: guerras e a fome (Lemos-Junior & Lelis, 2018). Ademais, há uma diferença na concepção de ser idoso entre as sociedades Ocidentais e Orientais. Nas sociedades Ocidentais, os idosos perderam o lugar de destaque social e são percebidos como pessoas inúteis, difíceis de se relacionar, teimosas e sem perspectiva de futuro. Com advento do Capitalismo, foi reforçado socialmente o culto ao corpo jovem sendo percebido como a principal referência do corpo belo e produtivo. Já nas sociedades Orientais, o idoso é percebido com o máximo de respeito, experiência e sabedoria (Vauclair, Hanke, Huang, & Abrams, 2017).


A visão positiva da velhice

A gerontologia e algumas perspectivas do envelhecimento buscaram intensificar a visão positiva da velhice e enaltecer novas possibilidades de envelhecer na contemporaneidade, tais como: envelhecimento bem-sucedido, envelhecimento ativo e envelhecimento satisfatório (Lemos-Castro, 2016). As perspectivas do envelhecimento positivo destacaram a velhice como uma etapa de realização de sonhos, viagens, descanso etc.


Entretanto, as visões extremamente positivas da velhice podem gerar uma auto cobrança por parte dos idosos que não corresponderem a esse perfil (Pack, Hand, Rudman, & Huot, 2018). Além disso, não apresenta os problemas sociais que os idosos enfrentam em seu cotidiano, por exemplo: muitos idosos são delegados como os principais responsáveis pelo sustento da família e pelo cuidado dos seus netos (Lemos-Junior & Lelis, 2018). Desse modo, essas concepções ocultam os fatores biopsicossociais que demarcam o modo de envelhecer, sendo tangenciados pelo gênero (Araujo, 2019), cor da pele (Wilson & Roscigno, 2018), classe social (Rippon, Zaninotto, & Steptoe, 2015) e escolaridade (Siqueira-Brito et al., 2016) e orientação sexual (Araujo & Carlos, 2018).


A partir do exposto acima, segue o seguinte questionamento: qual é o efeito dessas concepções extremamente positivas ou negativas acerca da velhice para os idosos?


"As pessoas querem viver por um tempo prolongado, mas não querem se tornar idosas."

A literatura apresenta que os idosos podem internalizar e naturalizar os estereótipos negativos acerca da velhice e agir de uma maneira que confirme esse padrão de vida compartilhado socialmente (Nascimento et al., 2016). Por exemplo, os idosos podem internalizar que estão no fim da vida, apresentar desesperança e se isolar socialmente. Um outro efeito que pode ocorrer diz respeito à negação da velhice (Silva & Fixina, 2018), que pode ser exemplificado quando um idoso não aceita as limitações decorrentes do envelhecimento, ou não utiliza as filas preferenciais por não se identificar como uma pessoa idosa. Por fim, até as pessoas não idosas são prejudicadas pelas generalizações da velhice por meio da ansiedade em envelhecer (Barnett & Adams, 2018). As pessoas querem viver por um tempo prolongado, mas não quererem se tornar idosas. Desse modo, a fase da meia-idade pode gerar uma tensão, pois as pessoas começam a identificar de forma mais próxima um tratamento diferente, e começam a sentir mais de perto os estigmas e preconceitos que podem sofrer na velhice.


O idoso e o isolamento social

O isolamento social provocado por meio da pandemia está sendo um contexto bastante desafiador para os idosos, pois suas atividades geralmente ocorriam em ambientes extrafamiliares (por exemplo: praças e igrejas) (Armitage & Nellums, 2020). A tecnologia tem sido um recurso bastante utilizado pelas pessoas durante a pandemia para manter o contato social, como uma forma de trabalhar na modalidade Home Office, dentre outros.


No entanto, poucos idosos possuem acesso à tecnologia (Armitage & Nellums, 2020). A partir disso, observa-se que os idosos vivenciam um desafio duplo: obedecer ao isolamento social e enfrentar as demandas advindas do contexto familiar, impactando assim, a saúde mental desse público. Por exemplo, os Dados do Disque 100 (2019), revelam um aumento considerável no número de denúncias de violência sofridas por idosos entre o período de 2018 e 2019 (37.317 e 48.441, respectivamente). As violências mais frequentes no ano de 2019 foram: negligência (41%), violência psicológica (24%), abuso financeiro (20%) e violência física (12%). Vale destacar que geralmente os idosos sofrem a violência por parte dos familiares e que muitos casos são subnotificados.


Desse modo, percebe-se as diversas dificuldades que os idosos enfrentam na contemporaneidade estão atreladas às concepções que a sociedade atribui à velhice e se intensificaram na pandemia. O processo psicoterápico pode ser visto como uma das estratégias que a pessoa idosa pode utilizar para buscar a aceitação dos processos advindos do envelhecimento, como uma forma de autoconhecimento e desconstrução dos estigmas atrelados a essa etapa da vida. Por outro lado, faz-se necessário uma desmitificação por parte das pessoas idosas e não idosas acerca das múltiplas facetas do processo de envelhecimento e de seus impactos na subjetividade dos idosos.


Referências

Aguiar, A., Camargo, B. V., & Bousfield, A. B. S. (2018). Envelhecimento e Prática de Rejuvenescimento: Estudo de Representações Sociais. Psicologia: Ciência e Profissão, 38(3), 494-506. https://doi.org/10.1590/1982-37030004492017


Araujo, D. C. (2019). A revolução grisalha: mulheres (re) semantizando signos do envelhecimento. dObra [s]–revista da Associação Brasileira de Estudos de Pesquisas em Moda, 11(25), 129-143. https://dobras.emnuvens.com.br/dobras/article/view/857/533


Araújo, L. F., & Carlos, K. P. T. (2018). Sexualidade na velhice: um estudo sobre o envelhecimento LGBT. Psicología, Conocimiento y Sociedad, 8(1), 218-237. https://doi.org/10.26864/pcs.v8.n1.10


Armitage, R., & Nellums, L. B. (2020). COVID-19 and the consequences of isolating the elderly. The Lancet Public Health, 5(5), e256. https://doi.org/10.1016/s2468-2667(20)30061-x

Barbieri, N. A. (2012). Velhice: melhor idade. O mundo da saúde, São Paulo–2012, 36(1), 116-119. http://www.saocamilo-sp.br/pdf/mundo_saude/90/17.pdf


Barnett, M. D., & Adams, C. M. (2018). Ageism and aging anxiety among young adults: relationships with contact, knowledge, fear of death, and optimism. EducationalGerontology, 44(11), 693-700. https://doi.org/10.1080/03601277.2018.1537163

Castro, G. G. (2016). O idadismo como viés cultural: refletindo sobre a produção de sentidos para a velhice em nossos dias. Galáxia, (31), 79-91. https://doi.org/10.1590/1982-25542016120675


Disque 100. (2019). Disque Direitos Humanos Relatório 2019. https://www.gov.br/mdh/pt-br/acesso-a-informacao/ouvidoria/Relatorio_Disque_100_2019_.pdf


Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2020). Características gerais dos domicílios e dos moradores 2019. Rio de Janeiro-RJ. https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101707_informativo.pdf


Lemos-Castro, B. P. (2016). Sobre o tornar-se velho: apreensões a partir de discursos de idosos de Fortaleza-Ce. (Dissertação de mestrado). Universidade de Fortaleza. Fortaleza, Ceará. http://dspace.unifor.br/handle/tede/99703


Lemos-Junior, E. P., & Lelis, H. R. (2018). O direito ao envelhecimento no século XXI: Uma análise sobre a possibilidade de adoção de uma convenção internacional de proteção aos direitos dos idosos. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, 23(2), 161-177. http://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/1123/548


Nascimento, R. G., Cardoso, R. O., Santos, Z. N. L., Pinto, D. S., & Magalhães, C. M. C. (2016). The perception of elderly riverside residents of the Amazon region: the empirical knowledge that comes from rivers. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, 19(3), 429-440. https://doi.org/10.1590/1809-98232016019.150121


Pack, R., Hand, C., Rudman, D. L., & Huot, S. (2018). Governing the ageing body: explicating the negotiation of ‘positive’ageing in daily life. Ageing & Society, 39(9), 2085-2108. https://doi.org/10.1017/S0144686X18000442


Rippon, I., Zaninotto, P., & Steptoe, A. (2015). Greater perceived age discrimination in England than the United States: Results from HRS and ELSA. The Journals of Gerontology Series B: Psychological Sciences and Social Sciences, 70(6), 925–933. https://doi.org/10.1093/geronb/gbv040


Santana, S. T., Garcia, K. S. M., & Araújo, R. M. S. (2017). Um Olhar sobre o Grupo de Convivência como instrumento para a Inclusão Social do Idoso. Id onLine Revista de Psicologia, 11(37), 598-617. https://idonline.emnuvens.com.br/id/article/view/862/1224

Silva, C. A. A., & Fixina, E. B. (2018). Significados da velhice e expectativas de futuro sob a ótica de idosos. Geriatr., Gerontol. Aging (Impr.), 12(1), 8-14. https://doi.org/10.5327/Z2447-211520181700081


Silva, L. R. F. (2008). Da velhice à terceira idade: o percurso histórico das identidades atreladas ao processo de envelhecimento. História, ciências, saúde-Manguinhos, 15(1), 155-168. https://doi.org/10.1590/S0104-59702008000100009


Siqueira-Brito, A. R., França, L. H. F. P., & Valentini, F. (2016). Análise fatorial confirmatória da Escala de Ageismo no Contexto Organizacional. Avaliação Psicológica, 15(3), 337-345. https://doi.org/10.15689/ap.2016.1503.06


Souza, K. S., Castro, J. L. C., Araújo, L. F., & Santos, J. V. O. (2018). Representações sociais do envelhecimento: um estudo com avós idosas que cuidam dos netos e avós que não. Ciências Psicológicas, 12(2), 293-297. https://doi.org/10.22235/cp.v12i2.1693


Vauclair, C. M., Hanke, K., Huang, L. L., & Abrams, D. (2017). Are Asian cultures really less ageist than Western ones? It depends on the questions asked. International Journal of Psychology, 52(2), 136-144. doi: 10.1002/ijop.12292


 

Angélica Maria de Sousa Silva - CRP 11/12117

Mestranda em Psicologia pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR (Tema: Discriminação contra idosos a partir da perspectiva do grupo-alvo). Possui graduação em Psicologia pelo Centro Universitário Estácio do Ceará. É psicóloga clínica e aluna do Curso de Especialização Clínica em Gestalt-terapia do IGC. Seus interesses de pesquisa se concentram nas áreas de Psicologia Social.

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