Por Jóyce de Brito Lima*
A condição humana "assegura" a todos nós, sem exceção, sensações e emoções as mais variadas possíveis, sejam elas positivas ou negativas, tais como: alegria, tristeza, frustração, prazer, dor, dentre outras e, subjacente a elas, é provável que existam experiências, situações e vivências que as mobilizaram, sejam elas boas ou ruins, por exemplo: início de namoro, casamento, nascimento de filho, promoção no emprego, separação, morte de um bichinho de estimação, adoecimento, enfim, a lista é infinita e universal.
Contudo, a percepção e o comportamento frente a essas inúmeras situações existenciais nem sempre são universais, mas subjetivas. Daí o fato de que o que pode ser uma fonte de sofrimento psíquico para alguns, pode não ser para outros. Dessa forma, podemos compreender o sofrimento psíquico sob inúmeros aspectos, mas nesse post, vou considerar mais detalhadamente dois deles: a crise e o trauma.
"A retomada de um equilíbrio pré-existente não se trata de conseguir a volta do equilíbrio anterior, mas um novo equilíbrio, de forma geral melhor que o anterior, mais realista, baseado em um novo nível de awareness e de liberdade..."
A Crise
O termo crise se relaciona a alguma situação mais carregada emocionalmente, vivenciada pelo indivíduo, quer seja relacionada a importantes derrotas ou mesmo a importantes vitórias, que tenha gerado algum desequilíbrio e certa instabilidade emocional, associada ao fato do sujeito ter um baixo repertório de estratégias de enfrentamento da mesma. A crise perdura até que o significado e o sentido da mesma sejam compreendidos e integrados pelo indivíduo, alcançando um novo equilíbrio. Em Psicoterapia de Curta Duração na Abordagem Gestaltica, Pinto (2016) ratifica que “a retomada de um equilíbrio pré-existente não se trata de conseguir a volta do equilíbrio anterior, mas um novo equilíbrio, de forma geral melhor que o anterior, mais realista, baseado em um novo nível de awareness e de liberdade”.
O Trauma
Com relação ao trauma, na literatura gestáltica, até poucos anos atrás, havia poucos registros sobre como abordá-lo. De um modo geral, alguns autores sugeriam abordagens de tratamento que integravam princípios gestálticos com outras modalidades. Atualmente, contudo, tem crescido o número de escritos, não só em Gestalt-terapia, como também em uma variedade de abordagens para o tratamento do trauma.
Segundo Joyce e Sills (2016), no livro Técnicas em Gestalt, “o trauma pode estar associado com uma variedade de situações tanto óbvias quanto mais sutis. Estritamente falando, o trauma terá envolvido o cliente em uma situação em que vivenciou ou testemunhou um evento perigoso ou arriscado (ou onde houve medo de que isso ocorresse), em que ele se sentiu subjugado, impotente e sem controle. O evento poderia ser de dano real, por exemplo, um ataque físico, abuso sexual ou desastres naturais ou poderia ser uma situação em que se teme o perigo, tais como viver em uma zona de guerra ou ser criado por pai ou mãe imprevisivelmente violentos. Poderia ser um trauma temporário, normalmente vivenciado por trabalhadores em serviços de emergência, soldados na ativa, psicoterapeutas de trauma ou irmãos que testemunham abuso. Ele pode também ser resultado da perda de um outro significativo seja por morte ou abandono, quando nenhum outro apoio está disponível”.
Crise e trauma são semelhantes sob determinados aspectos, ambos podem desencadear no indivíduo reações físicas, como: sudorese, boca seca, taquicardia, mal estar geral, o corpo fica tenso, preparado para lutar ou fugir, dentre outros. Há, contudo, diferenças entre ambos. A crise tem uma conotação adaptativa subjacente que a origina, uma vez que estamos sujeitos a constantes transformações físicas, psíquicas, sociais, políticas, econômicas, dentre outras. Vivenciar uma crise é, digamos assim, uma experiência normal de vida, suscitando no sujeito uma busca de equilíbrios entre si e o seu entorno, ou melhor dizendo, o indivíduo realiza ajustamentos criativos no intuito de debelar a crise. O trauma tem um aspecto de imprevisibilidade, podendo acontecer em qualquer hora ou lugar, causando geralmente um forte abalo emocional, choque ou ainda transtorno, sendo possível o desenvolvimento de um quadro psicopatológico. A grosso modo, o trauma é uma ferida.
Joyce e Sills (2016), afirma que "o sofrimento subjetivo do cliente é o elemento mais importante a considerar, independentemente do tamanho ou da natureza do trauma que o causou". É importante salientar que o trauma por menor que seja (a dimensão é também subjetiva), pode causar desconforto, perturbação, excitação física, porém, dependendo de como o mesmo foi enfrentado, poderá haver uma compreensão e posterior integração como algo que proporcionou um aprendizado e foi resolvido.
Resolução da Crise
Para algumas pessoas, a resolução da crise (evento traumático) pode ocorrer ao se conversar sobre o assunto com alguém de confiança. Contudo, às vezes, a pessoa atravessa algumas outras situações mais traumáticas, que geram desequilíbrios e instabilidades que afetam o seu cotidiano. Nesse caso, a busca de psicoterapia acontece no afã de aliviar os sintomas do trauma, que podem ser insônia, medo, angústia, ansiedade, depressão, alterações no apetite, no rendimento do trabalho e/ ou estudos.
A psicoterapia de curta duração tem se mostrado bastante eficaz na abordagem e tratamento da crise e do trauma. Considerando que tanto a crise como o trauma podem gerar sintomas diversos, que incomodam e afetam a realização rotineira das atividades do sujeito em seu ambiente de trabalho, escolar e familiar. Pinto (2016) ressalta que “a superação de sintomas é possivelmente um dos principais motivos de busca por uma psicoterapia de curta duração”. Pinto (2016) continua que “por meio do trabalho com o sintoma, procura-se também ouvir o que o sintoma tem a dizer, ou seja, verificar que áreas da vida ou dos potenciais da pessoa clamam por ser desenvolvidas, e ajudar o cliente a cuidar melhor desses aspectos de si e de sua vida”.
Pensando nas infinidades de situações de crise, das quais não estamos imunes (econômica, política, mundial, existencial, dentre outras), bem como nas possíveis situações catastróficas decorrentes da violência urbana, das disputas de facções criminosas, de desastres/crimes ambientais, para citar alguns exemplos, me vem à mente uma frase de Sartre que diz: "Não importa o que fizeram com você. O que importa é o que você faz com aquilo que fizeram com você". Aproveito para fazer um adendo atrevido/ousado à frase de Sartre: desde que nos autoconheçamos.
Uma vez que busquemos o autoconhecimento, aprenderemos a fazer das crises oportunidades de resignificar, superar e nos tornar resilientes, com maior capacidade de enfrentamento emocional diante delas, pois sempre estamos predispostos a esbarrar em situações de crise em algum momento de nossas vidas.
Veja nosso post sobre Compulsões e sofrimento psíquico.
*Jóyce de Brito Lima
Psicóloga , Psicoterapeuta do PAS - Programa de Atendimento Social do IGC e ex-aluna do Curso de Formação em Gestalt-terapia Clínica do IGC. Visite: www.joycebrito.com.
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