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Os psicólogos humanistas e a questão da psicopatologia

Atualizado: 3 de fev. de 2021

Por Silverio Karwowski*




Os clínicos humanistas sempre estão em uma posição delicada quando da necessidade de relação com a psicopatologia geral. O entendimento de suas diversas noções e opção por uma prática integrativa poderá auxiliá-lo na superação do dilema herdado da tradição médica.


Nesse post, falarei do dilema do clínico humanista, da sua necessidade de resolução e também apontarei um caminho para superação do impasse.


O conceito de clínica ou de atuação de clínica, tem em sua concepção o estabelecimento de uma psicopatologia, sem a qual o exercício da clínica perde sua identidade. Dessa forma, identificar-se como clínico implica necessariamente em aderir a uma noção de adoecimento.

A herança da psicologia

A relação entre a psicologia e a psicopatologia é tão antiga quanto complexa, multifacetada e polissêmica. Ao mesmo tempo em que a epistemologia da psicologia remonta a tradição cientificista, calcada principalmente no modelo médico, também recebe inspirações de ordem filosófica, por vezes afirmando a própria tradição médica, por vezes atacando esse modelo, sob a acusação de redutivismo e patologismo, dentre outras.


Sendo a psicologia constituída por duas grandes vertentes de abordagens (a das psicologias compreensivas e a das psicologias explicativas), o psicólogo de abordagem compreensiva, dita humanista, dificilmente se reconhece nas conceituações da psicopatologia geral, nas suas nosologias e nos modelos psicodiagnósticos que lhes são subjacentes. Ao não se reconhecer nessa condição, possui pelo menos duas possibilidades: 1) nega-la completamente e abandonar qualquer possibilidade correlata a ela: modelo psicopatológico, psicodiagnóstico, prognóstico e tratamento psicoterápico; 2) construir um novo paradigma, fundamentado em princípios outros que não a influência do modelo médico. Aqui começam os problemas para o psicólogo que deseja simplesmente exercer a clínica, em especial o humanista.


O conceito de clínica ou de atuação de clínica, tem em sua concepção o estabelecimento de uma psicopatologia, sem a qual o exercício da clínica perde sua identidade. Dessa forma, identificar-se como clínico implica necessariamente em aderir a uma noção de adoecimento.


O dilema do clínico humanista

Mas se o humanista, em sua tentativa de não aderir ao modelo de psicopatologia geral, nega completamente o modelo de psicopatologia geral, ou se nega qualquer modelo de psicopatologia, sacrifica junto com essa negação a sua identidade de clínico. E não pode, no exercício de sua profissão, oferecer ajuda de mudança, tendo como pressuposto, para o impedimento da mudança humana, elementos de adoecimento psíquico.


Se o psicólogo clínico deseja construir um novo paradigma, como modo de solução de seu impasse, tem em suas mãos a resolução de todo o dilema da psicologia, em sua intersecção com a clínica, o modelo médico e a psicopatologia.


O dilema do clínico humanista pode ser assim ser expresso: aderir ao modelo de psicopatologia geral implica em sacrificar os princípios humanistas; abandoná-lo implica no sacrifício da identidade de clínico, em função da ausência de uma fundamentação psicopatológica; construir um novo paradigma implica na tentativa da resolução da tradição de origem da psicologia, em todas suas inconsistências e conflitos, tarefa hercúlea que demanda esforços coletivos de pesquisa e elaboração teórica no mínimo, razoáveis.


Se o psicólogo clínico deseja construir um novo paradigma, como modo de solução de seu impasse, tem em suas mãos a resolução de todo o dilema da psicologia, em sua intersecção com a clínica, o modelo médico e a psicopatologia.

Uma possibilidade de resolução

A resolução do dilema humanista não está nessas possibilidades, mas na tentativa de integração dessas condições, de maneira a que "não jogue fora o bebê com a água do banho", ou seja, não abandone simplesmente todas as construções válidas e oriundas do modelo médico, e também não aceite passivamente a imposição desse modelo como unívoco, capaz da palavra última sobre a necessidade de mudança do ser humano.


Tal integração pode ser conseguido através da tradição fenomenológica que, ao mesmo tempo em que funda sua origem em uma tradição filosófica distante do modelo médico, também oferece fundamentação conceitual profunda e abrangente suficientes para restabelecer o entendimento dos vários princípios e teorias envolvidos no processo de mudança humano.


Assim é que as noções de mundo, de tempo, de espaço, de eu, de outro, de projeto humano, dentre incontáveis outras, passam a ter sentidos que transcendem a medicalidade, e não deixam, no entanto, de poderem ser articuladas com as ações do clínico em um perspectiva de mudança e cuidado (sorge), como bem já o demonstrou Heidegger em Seminários de Zollikon (1917, Editora Escuta), afim de instruir os psiquiatras sobre a nova fundamentação do ser.

 

*Silverio Karwowski é psicólogo, psicoterapeuta e professor universitário, coordenador do Curso de Psicologia da Faculdade Ari de Sá, diretor do IGC - Instituto Gestalt do Ceará.

 


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