top of page
Foto do escritorSilverio Karwowski

Sobre a periodicidade da psicoterapia

Se você é psicoterapeuta, dependendo do tempo que está atuando como tal, já deve ter se deparado com diversas solicitações de seus pacientes, algumas que você já deve ter sido orientado sobre como lidar e outras que surgem sem aviso prévio, muitas vezes lhe deixando momentaneamente atônito em relação ao próprio pedido.



Em outra publicação minha, já havia afirmado ser o trabalho do psicoterapeuta um exercício de acolhimento ao inesperado, sem que haja a mínima possibilidade de preparar-se para esse inesperado, pois segundo um dos fragmentos do filósofo Heráclito de Éfeso, “quem espera o inesperado, não sabe esperar o inesperado”.


..."é importante que se entenda que tempo não existe como substância, ou como coisa que se tem e se leva, se perde ou se ganha: tempo são possibilidades."

Essa arte então, implica num misto de dedicação, paciência, conhecimento técnico, afinação com a própria intuição, espera amorosa de o cliente encontrar seus modos e caminhos para lidar com seu processo de mudança e cura, mesmo que, no dizer de Jean Paul Sartre, a gente possa se curar de uma neurose, mas não possa se curar de si mesmo.


O tempo, aaah!... o tempo

Um dos elementos que mais assola o ser humano em sua breve existência, diz respeito ao tempo. O tempo que não se tem, o tempo perdido, o tempo para que as coisas surjam, se desenvolvam, alcancem sua maturidade e então possam se consolidar ou se esvanecer, dependendo de estarem ou não suas missões cumpridas.


Em psicoterapia, o tempo está implicado de modos diversos, seja no desejo do paciente que a duração do tratamento seja rápida – “dr., o senhor acha que em uns três meses eu já estou bom?” aparecendo também como experiências de ansiedade, na impressão que a passagem da sessão de psicoterapia está fora do normal – “nossa, já acabou? Nem vi que o tempo passou...”, na sensação de que não se sabe o que fazer com a duração da sessão. Nesse caso, silêncios evasivos, falas triviais, temas insignificantes, etc.


Quero abordar aqui uma das maneiras de implicação do tempo em psicoterapia – e é importante que se entenda que tempo não existe como substância, ou como coisa que se tem e se leva, se perde ou se ganha: tempo são possibilidades – que diz respeito a periodicidade da psicoterapia, mais explicitamente entendido como quantas vezes na semana os encontros se darão. Na maioria das vezes e, dependendo da abordagem de psicoterapia, o mínimo aceitável para esses encontros é de uma vez por semana, podendo ocorrer mais vezes, dependendo da necessidade.


Mas é bastante comum, à medida que a psicoterapia vai se popularizando como um modo de mudança e de tratamento, que as pessoas solicitem diminuição na quantidade de sessões, passando para quinzenal ou mesmo para um atendimento por mês.

Pensar essa solicitação a partir de uma condição estritamente mercadológica levaria ao imediato atendimento do pedido, visto que, nessa perspectiva, quanto mais o cliente estiver satisfeito, melhor.


"Partindo do princípio que a psicoterapia é algo para o paciente e feita por ele, esta deve ocupar lugar de razoável importância em relação a suas outras atividades. A forma como ele se esforça para manter seu horário, impedir que outros compromissos choquem ou tomem o lugar do processo terapêutico são indicativos consideráveis para se aferir o engajamento e dedicação do paciente."

Mas o motivo para esse pedido pode ter vários significados, desde aqueles de caráter estritamente objetivos aos de ordem psicológica e relacionais que falam especialmente sobre o processo de funcionamento do próprio paciente. Os motivos de ordem objetiva muitas vezes impedem a presença do paciente na sessão (embora esses impedimentos tenham sido modificados substancialmente pela realidade do atendimento online) costumeiramente inseridos como conflitos de compromisso, pois o trabalho ou atividades imprescindíveis impedem a presença em psicoterapia. Quando os motivos são de ordem objetiva – perda de emprego e diminuição de renda, mudança de cidade ou de diferente ordem que a presença online não resolva, o melhor a fazer é optar pela psicoterapia quinzenal (é sempre melhor pingar que secar), avaliando e reavaliando com frequência em relação a progresso e resultados, ainda que difíceis de se aferir.


Partindo do princípio que a psicoterapia é algo para o paciente e feita por ele, esta deve ocupar lugar de razoável importância em relação a suas outras atividades. A forma como ele se esforça para manter seu horário, impedir que outros compromissos choquem ou tomem o lugar do processo terapêutico são indicativos consideráveis para se aferir o engajamento e dedicação do paciente. Em alguns casos, o choque de compromissos aparece mais como um “aliado” do adoecimento do qual o paciente se utiliza para tentar justificar a diminuição da frequência nas sessões, sua ausência e até mesmo a interrupção do processo.

Nesses casos, a percepção acurada do psicoterapeuta e sua habilidade em auxiliar o paciente a perceber motivos adjacentes aos objetivos são de enorme valia para, não apenas a awareness do paciente, mas também sua apropriação de seus modos de ser, da forma como enfrenta ou produz jeitos de fuga quando algo o angustia e pode se tornar ameaça para ele.


Essas ocorrências são afins com os motivos de ordem psíquica ou relacionais. Esses, mais predominantes em relação aos primeiros, podem revelar dificuldades de engajamento na psicoterapia, tentativa de redução do valor mensal, necessidade de manipulação do processo, de confirmação de si como especial; dificuldade de encarar algum tema surgido na psicoterapia e outros, os mais diferentes que só podem ser identificados com checagem minuciosa do funcionamento do paciente.


Um exemplo ilustrativo

A título de exemplo, vamos examinar uma paciente (fictícia), executiva de uma grande empresa, formada em gestão de negócios, bem-sucedida no emprego em relação às missões e metas, com um patrimônio razoável e ainda não consolidado, com dois filhos adolescentes. Seu marido atua na área de saúde e possui um faturamento bem inferior ao dela. A paciente sempre foi tranquila, dotada de um senso de organização do qual se gaba e que também estende à família, com o objetivo de que seus filhos conciliem todas as atividades organizadas por ela para eles, além daquelas quotidianamente gerada pelos estudos.

Chegou com a queixa de experiências de ansiedade, tendo lido muito a respeito e tendo consciência que a psicoterapia e medicação seriam os caminhos para evitar o agravamento que, segundo ela, poderiam evoluir para “crises de pânico”. A princípio, quis escolher o horário para ser atendida (compreensível) e ainda que o psicoterapeuta tenha disponibilizado pelo menos três horários, alegou motivos de trabalho, propondo um outro que o psicoterapeuta não tinha disponibilidade. Diante da constatação que não poderia ser atendida, caso não adaptasse seus horários, revelou serem flexíveis os horários no trabalho e que ela poderia dentro de um dos três horários apontados pelo psicoterapeuta. No início do processo, aguardava que o psicoterapeuta dissesse a ela qual tema deveria abordar, trazendo consigo um bloco de notas para não perder nenhuma das coisas pronunciadas pelo psicoterapeuta. À medida que foi percebendo a distinção entre atividades de ensino, com a postura tranquila, mas segura do psicoterapeuta em sustentar seu silêncio, acompanhar a temática adjacente e abrir espaço para que ela mesma fosse através de seus temas, sua iniciativa e, principalmente, o sentimento que acompanhava cada uma das experiências relatadas, hora com excitação, hora com impaciência e nervosismo.


Efetivamente, a sobrecarga de trabalho aparece como “justa”, pois na visão popular nada é mais importante que o trabalho, sendo ele mesmo o modo de obtenção de todas as outras coisas.

Aos poucos, temas mais significativos foram surgindo e a relação materna a quem a paciente sempre se referia como fundamental em sua vida e dotada de muita amorosidade, foi tomando forma e ganhando mais sessões. Numa delas, a paciente relata uma experiência em que a mãe aparece com outra face, dessa vez com exigência de sucesso, de cumprimento de tarefas, de manutenção de um modo de ser que “não se fizesse inferior a homem e pessoa nenhuma”. Um perfil diferente da mãe foi aparecendo e trazendo sentimentos de muita mágoa e medo.


No início da sessão seguinte a paciente, a paciente relata ter assumido um novo projeto na organização e que não teria mais a disponibilidade para ser atendida todas as semanas. Assim, propõe “justificadamente” que as sessões sejam quinzenais, visto que assim poderia se organizar e não interromper o processo.


Tendo sido bastante nítido o modo como a paciente sempre tenta “executar” tudo com muita seriedade, buscando perfeição e ganhos sempre, não aceitando seus próprios erros e recusando também os dos familiares, seu jeito enrijecido de funcionar se torna bem evidente. Também se torna claro que o novo projeto assumido foi de sua iniciativa, não tendo sido imposto ou delegado, fato que também se justifica pela necessidade da paciente de manter ganhos financeiros. Todos os procedimentos da paciente estão assim logicamente encadeados, de forma que a opção pela psicoterapia quinzenal se apresenta como a melhor opção.



O problema de sessões quinzenais

Caso o psicoterapeuta concorde e passe imediatamente a paciente acima para sessões quinzenais, corre o risco de que a mesma fique a maior parte das sessões futuras atualizando o psicoterapeuta dos acontecimentos em sua vida, fato bem provável, principalmente para quem leva uma vida agitada com diversos compromissos.

É sabido a psicoterapia não se constituir no mero relato de fatos e ainda que o chamado “desabafo” seja dotado de importância enquanto alívio emocional. O processo de psicoterapia implica no exame das temáticas, na identificação de padrões e de seus significados, no acesso a sentimentos subjacentes e na busca de sentidos, aqueles surgidos nas diversas experiências e aqueles ainda necessários serem construídos para o surgimento e conquistas de formas diferentes de ser e estar no mundo, processo que o conceito de ajustamento criativo da Gestalt-terapia há muito evidenciou.


Há que se considerar, o caso dessa paciente não ser constituído por uma abordagem de psicoterapia de curta duração, modo esse integrado por formas de trabalho bastante diferentes, desde o contrato psicoterápico até a quantidade de meses a serem utilizadas. Me refiro aqui a psicoterapia de longa duração, em que se pretende mais que o alívio de sintomas e a identificação de micro psicopatologias, mas mudanças profundas e duradouras, implicando também na alteração de traços de personalidade, ao final representados como um modo diferente de ser.


Como notado pelo leitor, a paciente do exemplo inconscientemente evita o contato com os temas aparecidos na psicoterapia, evitando também a quebra da imagem da mãe amorosa e cuidadosa que mantinha. Efetivamente, a sobrecarga de trabalho aparece como “justa”, pois na visão popular nada é mais importante que o trabalho, sendo ele mesmo o modo de obtenção de todas as outras coisas.


O convite cuidadoso do terapeuta para a paciente examinar os motivos explicitados, verificado também o que ganha quando perde (no caso, a quantidade de sessões de psicoterapia) é um dos caminhos para a paciente estar mais awareness de seu modo de ser. Com e ao longo do tempo, a paciente pôde perceber o quanto se tornou parecida com sua mãe, garantias de um sucesso profissional e da manutenção de uma família, embora essa mesma família esboçasse dificuldades no relacionamento com ela mesma (a paciente) e estados de sofrimento pelas reiteradas exigências de desempenho.


Se as dificuldades de progresso em uma psicoterapia de longa duração são difíceis, em se tratando de sessões quinzenais, o que se dirá de sessões mensais? Me parece bastante evidente tal impossibilidade, desde que suficientemente explicitados os objetivos da psicoterapia e o contrato a que fazem jus.


Muitos outros motivos apresentados pelo paciente poderiam ser mencionados e também discorridos, sendo impossível devido a limitação desse espaço. Mas outros entraves para sessão quinzenal implicam na perda de regularidade e de sequência, enfraquecimento do vínculo psicoterápico e fortalecimento de processos de resistência existentes. O resultado são raros progressos por parte do paciente e uma falsa sensação de estar em psicoterapia com desgastes tanto para o paciente quanto para o profissional. Por isso, é necessário um exame profundo e, se necessário, a conversa com profissionais mais experientes dotados de habilidade para auxiliar o psicoterapeuta no desenlace do processo.


E para o psicoterapeuta

Por parte do psicoterapeuta, é preciso mencionar a dificuldade de manutenção de um horário quinzenal, visto que para obter o ganho referente ao horário tomado é necessário outro paciente em sessões quinzenais, condições difíceis de serem atingidas.


O psicoterapeuta poderá sentir-se insatisfeito no processo, com sentimentos negativos em relação ao paciente e inicialmente difíceis de serem atribuídos a essa condição, mas necessário serem examinados e explicitados, também como forma de se entender como essa mudança pode afetar a psicoterapia.


O consultório poderá se revelar como não produtivo, a profissão como não suficientemente rentável, com dificuldades de organização de agenda e de outros fatores administrativos.

Talvez seja ainda importante se aprofundar mais na temática das consequências para o psicoterapeuta, mas penso que alterações relativas à frequência merecem sempre um exame cuidadoso por parte de ambos, com o objetivo da checagem de efeitos adversos e negativos na psicoterapia e, portanto, nos ganhos pretendidos pelo paciente.


 

Silverio Karwowski - é psicólogo e licenciado em psicologia, mestre em psicologia clínica, psicoterapeuta e especialista em Gestalt-terapia. Atualmente é professor e diretor do IGC - Instituto Gestalt do Ceará, tendo se dedicado a formação de psicoterapeutas há mais de 25 anos.



Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page